DESVIO DE FUNÇÃO


DESVIO DE FUNÇÃO NO TRABALHO
                   O empregado ao ser contratado, toma ciência das funções que exercerá dentro da Empresa, além de horários, tarefas e salários, antes mesmo da assinatura em Carteira de Trabalho.  

                   Todavia, ao começar a exercer o trabalho, percebe que nem todo o conversado e estabelecido no contrato de trabalho é real, já que muitas vezes o empregado é convocado para realização de atividades que vão além daquilo combinado, passando em muitos casos a realizar tarefas diferentes, gerando um constrangimento, principalmente no que tange à remuneração, que permanecerá a mesma.  

                   Nestes casos surge o desvio de função, onde o empregado é contratado para exercer determinada função, com atividades mais complexas e diferentes ao seu cargo inicial, mas acaba realizando outra por exigência da Empresa que o contratou. Claro que devemos ponderar, já que para a configuração o trabalhador deve mudar completamente a função no decorrer do contrato de trabalho, sem a remuneração devida para as novas tarefas.  

                   Quanto aos fundamentos principais contra o desvio de função, temos o fato de o empregador estar enriquecendo de forma ilícita à custa do empregado.

                   Homero Batista Mateus da Silva adverte, entretanto, que

“A recepcionista dificilmente terá razão no pedido de rescisão indireta por haver sido acrescentada a suas atividades a transmissão e o recebimento de fax, assim como o empregado de carga e descarga não deve se espantar com o pedido de conferência de carga. São situações conexas ou complementares a suas atividades originais. (...) O que não se pode admitir é que o empregado vá comprar pacote de cigarros para o chefe, sendo uma secretária; fazer a feira para o proprietário da empresa, sendo um vendedor; ou pagar contas na fila do banco, sendo ele um torneiro mecânico, e assim por diante.” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho aplicado: Contrato de trabalho, p. 287-288).

                   Sobre os empregados públicos da Administração Direta e Indireta, o desvio de função não leva ao enquadramento devido a vedação constitucional no artigo 37, II, da Constituição Federal, onde o empregado somente ocupará outra função ou emprego se for concursado. Ocorrendo o desvio, o empregado público terá direito somente às diferenças salariais.  

                   O desvio de função se caracteriza, sobretudo, quando há quadro de pessoal organizado em carreira; mas pode ocorrer mesmo quando
não exista o quadro.


                   A OJ nº 125 ainda se manifesta nesse título:

O simples desvio funcional do empregado não gera direito a
novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988”

                   O Direito do Trabalho tem como base o princípio da realidade, desconsiderando formalidades para valorizar a efetividade dos fatos, assim o artigo 460 da CLT define, quando dispõe que na falta de estipulação do salário, ou não havendo prova sobre a importância contratada, o empregado terá direito a receber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço semelhante.

                   Nesta trilha, em caso de modificação contratual pelo Empregador, que atribuir um encargo maior ao empregado sem a devida contraprestação salarial, existe o desequilíbrio.   

                   Frise-se que o Código Civil também protege o trabalhador quando determina que “aquele que, por ato ilícito (por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo” (artigos 186, 187 e 927).  

Por conseguinte o direito a indenização por desvio de função está previsto em diversas normas, o Código Civil estabelece que quem se enriquecer a custa de outrem deverá restituir o indevidamente recebido:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

                   Já a Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece que só é lícita a alteração do contrato de trabalho por mútuo consentimento do empregador e do empregado:

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

                   Nesse sentido, temos como requisito para a modificação contratual o mútuo consentimento que não cause prejuízo ao trabalhador.  

                   A CLT também estabelece que o empregado poderá rescindir o contrato e receber a devida indenização quando o empregador exigir serviços alheios ao contrato:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; ...
                   Veja algumas ementas de decisões que tratam sobre o assunto:

RECURSO DE REVISTA – VENDEDOR. ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. Esta Corte tem adotado o entendimento de que o vendedor, retribuído exclusivamente por comissões, que executa outras tarefas, para as quais não foi devidamente remunerado, tem direito ao recebimento de diferenças salariais advindas do acúmulo de funções. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. Nos termos da Orientação Jurisprudencial 348 da SBDI-1 do TST, “Os honorários advocatícios, arbitrados nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários”. Recurso de Revista conhecido e provido. (RR 1926020125040232. TST. 8ª Turma. Publicação: DEJT 07/08/2015. Julgamento: 5 de Agosto de 2015. Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro).

DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUADRO DE CARREIRA. 1. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que as funções de auxiliar de almoxarifado e auxiliar geral são distintas e possuem remunerações diversas, bem assim que resultou comprovado nos autos que o reclamante desempenhava as mesmas atribuições dos exercentes do cargo de auxiliar de almoxarifado. Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho. 2. De outro lado, caracteriza-se o desvio de função a partir do cometimento ao empregado de atividades diversas daquelas que lhe foram atribuídas contratualmente. O reconhecimento do desvio não pressupõe a existência de quadro organizado em carreira, tampouco necessita de cotejo com empregado paradigma, bastando a demonstração de que as tarefas exigidas da obreira extrapolavam os limites do contrato. Precedentes desta Corte superior. 3. Comprovada a efetiva ocorrência do desvio de função, é devido o pagamento de diferenças salariais, nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 125 da SBDI-I desta Corte superior. 4 . Recurso de Revista não conhecido. RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. “Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família”. Hipótese de incidência da Súmula n.º 219, item I, do Tribunal Superior do Trabalho. Constatada, no presente caso, a ausência de assistência sindical, exclui-se da condenação o pagamento da parcela. Recurso de Revista conhecido e provido, com ressalva do entendimento pessoal do Relator. (RR 11949520125040028. TST. 1ª Turma. Publicação: DEJT 11/03/2016. Julgamento: 9 de Março de 2016. Relator: Marcio Lamego Pertence).

                   O remanejamento de atividades em um Empresa pode ser realizado, desde que exista um novo contrato prevendo as modificações e o salário reajustado, nunca minorado. Nestes casos o trabalhador costuma receber as diferenças salariais entre o salário recebido e o salário devido, de acordo com a outra função realizada.

                   Tais diferenças salariais refletem em todas as verbas, entre estas, aviso prévio, décimo terceiro salário, férias, fundo de garantia e multa, horas extras e eventuais adicionais, como noturno, sobreaviso, insalubridade, periculosidade e transferência.

                   Se a Empresa utiliza uma organização em termos de cargo/função nos registros da Carteira Profissional (CTPS) e ficha de registro do empregado e salários, sendo uma regra interna, deve ser aplicada ao empregado o desvio funcional, condenando a pagar o salário que foi majorado posteriormente, desde a data em que efetivamente trabalhou o empregado.

                   Instituir o quadro de carreira é decisão do empregador, devido ao seu poder diretivo, porém uma vez implementado, deverá ser respeitado, sob pena de caracterização do desvio de função.

                   No que tange a reforma trabalhista, a organização em cargos e salários adotada pela empresa pode ser realizada sem a aprovação pelo Ministério do Trabalho, acrescentou os parágrafos 2° e 3° ao artigo 461:

...§ 2o  Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. 

§ 3o  No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional...

                   Assim, o empregado está registrado como ocupante do cargo B, nível I, mas está desempenhando funções inerentes ao cargo B nível II e, deve receber o salário correspondente à realidade de fato.

                   Além disso, se a pretensão é corrigir o desvio de função ou pagamento das diferenças salariais em razão de critérios para promoção, a prescrição é parcial.

                   O TST trata dessa matéria nas Súmulas números 275 e 452:

SÚMULA Nº 275. PRESCRIÇÃO. DESVIO DE FUNÇÃO E REENQUADRAMENTO. (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 144 da SDI-1) – Res. 129/2005 – DJ 20.04.2005. I – Na ação que objetive corrigir desvio funcional, a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento. (ex-Súmula nº 275 – Res. 121/2003, DJ 21.11.2003). II – Em se tratando de pedido de reenquadramento, a prescrição é total, contada da data do enquadramento do empregado. (ex-OJ nº 144 – Inserida em 27.11.1998).

SÚMULA Nº 452. DIFERENÇAS SALARIAIS. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. CRITÉRIOS DE PROMOÇÃO NÃO OBSERVADOS. PRESCRIÇÃO PARCIAL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 404 da SBDI-1) Tratando-se de pedido de pagamento de diferenças salariais decorrentes da inobservância dos critérios de promoção estabelecidos em Plano de Cargos e Salários criado pela empresa, a prescrição aplicável é a parcial, pois a lesão é sucessiva e se renova mês a mês.

                   Para comprovar o desvio de função temos as testemunhas que viram a rotina diária do trabalhador, além de provas documentais como e-mails, mensagens de conversas pelo whatsapp onde existiu a exigência de atividades diferentes da contratada.   

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